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BASTA!

— por Fernando Lobo
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04-out-2025


“Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. (negrito e sublinhado meu)

— Ponto 1 do Artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos

BASTA! Não aguento mais continuar a assistir ao modo execrável como o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) tem tratado o meu filho Gil Costa Lobo. As atrocidades cometidas pelo MECI começaram quando o Gil era menor de idade, e agora com 19 anos recém completados os maus tratos do MECI extravasaram para o Instituto Politécnico de Leiria (IPL).

E BASTA! Não aguento mais continuar a assistir à lentidão da Justiça.

Nem sei se comece de trás para a frente ou de frente para trás. Pouco importa. Tudo isto é absurdo e surreal, seja lá por onde comece. Comecemos.

Era uma vez um jovem chamado Gil Costa Lobo. Tendo concluído os seus estudos secundários, candidatou-se em julho de 2024 ao Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior. Após ter sido inicialmente excluído do concurso (já lá vamos), acabou por ser admitido e colocado condicionalmente (também já lá vamos) no curso da sua primeira escolha: Licenciatura em Teatro, na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) do Instituto Politécnico de Leiria (IPL).

O Gil frequentou a Licenciatura em Teatro no ano letivo 2024-25 com grande entusiasmo e dedicação, tendo obtido as seguintes classificações às disciplinas do 1º ano: Interpretação I (15 valores), Oficina de Corpo I (17 valores), Oficina de Voz I (17 valores), Oficina de Música I (16 valores), Análise do Texto Dramático (19 valores), História do Teatro I (16 valores), Cenografia (17 valores), Design de Luz e Som (16 valores), Interpretação II (17 valores), Oficina de Corpo II (18 valores), Oficina de Voz II (17 valores), Oficina de Música II (18 valores), História do Teatro II (17 valores), Análise de Espetáculos (20 valores).

Para além do seu notável desempenho escolar, envolveu-se na vida da escola em atividades extracurriculares, tendo participado na XIV edição do Festival Ofélia, organizado anualmente pelos alunos do 2º ano da Licenciatura em Teatro da ESAD/IPL. O tema dessa edição do Ofélia foi (in)filtra-te, com os organizadores a apelarem à necessidade de uma nova forma de “revolta”, e convidando todos a infiltrarem-se como forma de reagir e participar no mundo. Sensível ao apelo, o caloiro Gil encheu-se de coragem e infiltrou-se criando e interpretando uma peça da sua autoria, “O Imbróglio”. A peça retrata a história de Joaquim e das peripécias de seu pai que se vê esmagado pela atitude paranoica de uma Comissão Nacional que teima em não querer conceder um certificado de equivalência às habilitações do seu filho.

Imbróglio capa

Em agosto deste ano o Gil pagou a taxa de inscrição e a 1ª prestação das propinas para o ano letivo de 2025-26. Novamente com grande entusiasmo, preparava-se para começar o 2º ano da Licenciatura, mas eis que acontece o impensável. Deparando-se no início de setembro com problemas em concluir a inscrição nas disciplinas do 2º ano, constata, no dia 11-set-2025, após autenticar-se mais uma vez no portal de estudante do IPL, que a sua matrícula no 2º ano tinha sido anulada. E mais, também tinha sido anulada a sua matrícula do 1º ano e feito tabula rasa às classificações que obteve em 2024-25.

Não se conformando com a situação, o Gil envia um email aos Serviços de Gestão Académica solicitando uma justificação. É-lhe respondido no dia seguinte de forma seca: [...] a sua matrícula e inscrição foram anuladas na sequência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 632/24.1BELLE, sem qualquer menção ao responsável pela decisão.

O meu filho Gil, tratado desta forma, como se de um saco de batatas se tratasse, está desde esse momento impedido de prosseguir os seus estudos na ESAD/IPL.

Isto é inadmissível e não se faz a ninguém. É deplorável anular-se a matrícula de um estudante sem qualquer aviso prévio, sem uma justificação, e sem dar a conhecer o(a) responsável por tal decisão. Terá de haver forçosamente um despacho de alguém dentro do IPL que determinou a anulação da matrícula. E resta-me acrescentar que esse alguém não pode ter sido um simples funcionário dos serviços administrativos, nem um funcionário da limpeza! O que é certo é que esse alguém é uma pessoa cobarde que não teve a coragem nem a gentileza de informar previamente o meu filho.

Cumpre-me dizer que o processo n.º 632/24.1BELLE mencionado na resposta emitida pelos Serviços de Gestão Académica, é um processo cautelar que o meu filho Gil instaurou contra o MECI. Desse processo o IPL não faz parte e nessa decisão não foi ordenado ao IPL que tomasse qualquer iniciativa. Portanto, se o IPL anulou a matrícula fê-lo por pura maldade.

Perguntar-me-ão o que diz então o referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. Dirá certamente muita coisa. Já o li e reli várias vezes, e confesso que o que lá está escrito não é de fácil compreensão para o comum dos mortais. Mas há uma coisa que eu posso garantir: o coletivo de juízes que assinou o Acórdão não menciona em lado algum que a matrícula do meu filho Gil Costa Lobo na ESAD/IPL deveria ser anulada!

Perguntar-me-ão porque é que o Gil intentou um processo contra o MECI, e isso consigo eu responder. Pobre do meu filho, com 19 anos recém cumpridos, já intentou não 1, não 2, mas sim 3 processos contra o MECI.

O primeiro desses processos deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa quando o Gil tinha apenas 17 anos, e é uma Intimação para a Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias, a ação mais urgente de acordo com a Lei Portuguesa quando está em causa a defesa dos direitos e interesses protegidos dos cidadãos no confronto perante atuações da Administração Pública. Neste tipo de processo é suposto o Juiz decidir num prazo de 48 horas, mas já passou mais de 1 ano e o Juiz ainda nada decidiu! (Interrupção. Em Portugal todos temos o dever de cumprir prazos. Todos? NÃO! Para o Estado e para os senhores Juízes, os prazos são meramente indicativos!)

E perguntar-me-ão, mas afinal qual o motivo para tantos processos? Eu explico. Primeiro de forma simples, depois de forma detalhada.

Comecemos pela forma simples. O MECI está a violar a Lei de forma escandalosa, e com isso está a impedir o meu filho Gil de prosseguir estudos superiores em Portugal. Sim, o MECI, esse ministério que devia zelar e fazer tudo para que todos pudessem ter acesso à educação e aos estudos superiores, está a fazer precisamente o oposto.

Agora a explicação com mais detalhe.

O Gil cresceu em Aljezur e frequentou a Escola Pública EBI/JI de Aljezur, fazendo aí o seu ensino pré-escolar e ensino básico. No ano letivo 2016/1017, quando tinha 10 anos, foi transferido para a Escola Internacional de Aljezur, e aí ficou até completar os seus estudos secundários.

A Escola Internacional de Aljezur segue o currículo de Cambridge Assessment International Education (CAIE) do Reino Unido, que é reconhecido em praticamente todos os países do mundo, incluindo Portugal. O Gil completou o nível mais avançado da formação CAIE tendo realizado com aproveitamento os seus exames A-Level. Tem em sua posse o CAIE General Certificate of Education, emitido pela Universidade de Cambridge atestando esse facto, ademais certificado com a Apostilha de Haia, e traduzido oficialmente para português.

As habilitações que o Gil tem permitem que ele se candidate a universidades de todo o mundo. Porém, a Direção Geral de Educação (DGE) recusou-se a passar o certificado de equivalência das habilitações estrangeiras do meu filho ao 12º ano de escolaridade do ensino secundário português, equivalência essa que devia ser forçosamente dada de acordo com a Lei vigente.

Para a DGE pouco importa que o Gil tenha as habilitações que tem. O que importa para a DGE é que a Escola Internacional de Aljezur, onde o meu filho estudou, não se encontra (segundo alegação da DGE) homologada pelo Ministério de Educação. E como tal, a DGE diz (de forma sinistra, na véspera do último dia do prazo para se submeter a candidatura ao concurso nacional de acesso ao ensino superior, e após quase 2 meses de completa inação!), cito, não existe sustentação legal para esta Direção-Geral poder proceder à concessão de qualquer equivalência ao sistema de ensino português.

A atitude do MECI, para além de ser ilegal, é discriminatória, é absurda, e é uma violação do Artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Porquanto,

O facto de a Escola Internacional de Aljezur não estar (alegadamente) homologada como um estabelecimento de ensino por parte do MECI, é totalmente irrelevante para efeitos de concessão de equivalência de habilitações estrangeiras do Gil, uma vez que as habilitações que ele tem foram certificadas pela Universidade de Cambridge, e não pela Escola Internacional de Aljezur.

Para quem tem habilitações estrangeiras, um dos documentos necessários para a candidatura ao Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior em Portugal é o certificado de equivalência ao 12º ano, certificado esse que o meu filho Gil, até hoje, não tem.

Pior do que isso, a DGE refere no seu despacho de indeferimento que não existe sustentação legal para esta Direção-Geral poder proceder à concessão de qualquer equivalência ao sistema de ensino português. Ou seja, a DGE não lhe dá equivalência a NADA, nem 12º, nem 11º, nem 10º, nem 9º, nem 8º, nem 7º, nem 6º, nem 5º. Tem de se contentar com o 4º ano (a antiga 4ª classe) que obteve na escola pública de ensino básico, escola essa que deverá estar homologada (graças a Deus!) pelo Ministério de Educação. E digo graças a Deus entre parêntesis porque se tal não for o caso nem o 4º ano do ensino básico o meu filho Gil tem direito a ter!

Meus caros leitores, o absurdo não se fica por aqui. De acordo com o DL n.º 227/2005 o pedido de equivalência deve ser requerido junto de um estabelecimento de ensino secundário dotado de autonomia pedagógica, e não à DGE. O motivo pela qual o Gil solicitou diretamente à DGE foi devido ao facto da própria DGE me ter dado essa indicação após um pedido de informação que eu efetuei em janeiro de 2022.

No próprio dia em que se deu o indeferimento por parte da DGE, uma 6ª feira, eu e a minha esposa, como encarregados de educação do Gil, deslocamo-nos numa correria louca à Escola Secundária Gil Eanes, em Lagos, acompanhado de todos os certificados originais do Gil, e solicitamos o certificado de equivalência das suas habilitações estrangeiras, pedindo encarecidamente que nos dessem uma resposta urgente em virtude de 2ª feira ser o último dia de submissão das candidaturas ao ensino superior.

E não é que se deu um milagre! A Escola Secundária Gil Eanes emitiu o certificado de equivalência, e foi com esse certificado que o Gil se candidatou ao concurso de acesso ao Ensino Superior. Havia, porém, um pequeno pormenor que necessitava de correção. O certificado referia que o Gil tinha equivalência ao 12º Ano de Escolaridade com média de 16 valores. Acontece que o regulamento do concurso exigia que a classificação no certificado deveria vir expressa na escala inteira de 0 a 200, pelo que o Gil solicitou à Escola Secundária Gil Eanes para corrigirem o certificado em conformidade. No meio de mais umas quantas peripécias surreais, comigo a argumentar perante uma professora de Físico-Química da escola Gil Eanes, Mas ó senhora professora, a senhora deve saber perfeitamente que 16,3 na escala de 0 a 20, corresponde a 163 na escala de 0 a 200, ao que ela me responde Sim, eu sei disso, mas valores só de 0 a 20. E eu a ficar desesperado Ó minha senhora, então coloque pontos em vez de valores, ao que ela me responde Ah isso não posso. Vai ter de ir a instâncias superiores.

E assim se deu o contra-milagre! No dia seguinte a Escola Secundária Gil Eanes informa o Gil que iria enviar o processo para a DGE, invocando que as habilitações escolares certificadas por Cambridge Assessment International Education são competência da Direção Geral de Educação e não dos estabelecimentos do ensino público, algo que não tem qualquer respaldo com o que está estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2005. A DGE põe, impõe, e dispõe, inventando leis a seu belo prazer, e a Escola Secundária Gil Eanes calou e consentiu, curvando-se perante o todo-poderoso MECI, e comunicando ao Gil que o certificado de equivalência previamente emitido a seu favor ficava sem efeito.

Uma semana depois a Escola Secundária Gil Eanes notifica o Gil para entregar o original do certificado de equivalência emitido a 26.07.2024, nos serviços administrativos da Escola. Nesse ofício é apensa comunicação de email de 12.08.2024 da DGE para a Escola Secundária Gil Eanes, onde é patente que a DGE deu ordens à Escola Secundária Gil Eanes para revogar o certificado de equivalências previamente emitido. E com isso atirou a autonomia pedagógica da Escola Secundária Gil Eanes para o caixote do lixo!

A DGE/MECI não só não quer emitir o certificado de equivalência de habilitações estrangeiras do Gil, como também não quer que estabelecimentos com autonomia pedagógica o façam!

Vou resumir. O meu filho Gil tem as habilitações necessárias para se candidatar a todas as universidades do Mundo. Todas? NÃO! Todas exceto as universidades portuguesas. Se quiser continuar a estudar ou trabalhar em Portugal, a única qualificação reconhecida pelo MECI que ele tem para apresentar é o 4º ano do ensino básico!

Estamos perante o mesmo jovem Gil que frequentou e concluiu o 1º ano da Licenciatura em Teatro na ESAD/IPL com média superior a 17 valores. Devia ser por demais evidente para qualquer pessoa com dois dedos de inteligência que o Gil veio do ensino secundário com uma excelente preparação, estando plenamente capacitado para frequentar a Licenciatura em Teatro na ESAD/IPL.

Perguntar-me-ão como é que o Gil conseguiu entrar na ESAD/IPL se não tinha o certificado de equivalência. Eu respondo. Um dos processos que o Gil intentou contra o MECI teve uma resposta rápida, tendo uma Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé decretado uma providência cautelar que intimou o MECI a admitir a candidatura do Gil ao Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, e a não poder excluí-lo única e exclusivamente com fundamento na falta do certificado de equivalência, devendo processar a sua candidatura em igualdade de circunstâncias com os demais candidatos, e autorizando-o a prosseguir provisoriamente o procedimento do concurso e a praticar todos os actos e operações materiais respetivos.

Na sequência dessa intimação, o Diretor-Geral do Ensino Superior informou o Gil que ele tinha sido colocado, condicionalmente, através da criação de uma vaga adicional, na Licenciatura em Teatro na ESAD/IPL, o curso da sua 1º escolha. (Licenciatura essa para o qual o Gil teria média suficiente para entrar caso lhe tivesse sido concedido o certificado de equivalência, já que as classificações obtidas nos seus exames A-Level correspondem, de acordo com a Tabela A do Anexo VIII da Portaria n.º 224/2006, a uma média de 16,3 valores na escala de 0 a 20).

Uma providência cautelar é uma medida provisória, devendo ser acompanhada de um outro processo, uma Ação Principal, que lhe está acoplado como se ambos estivessem presos por um cordel. Essa ação principal encontra-se em curso, ainda sem decisão final.

Não quero maçar os meus caros leitores com processos e mais processos, mas permitam-me apenas que realce algumas das alegações que o MECI faz no âmbito de processo cautelar. Alega o MECI que aceitar ou admitir a frequência (do Gil) no ensino superior, afeta os direitos de acesso por parte dos outros candidatos ao ensino superior, em particular daqueles que realizaram exames em 2024, cumprindo as regras legais, e que portanto os prejuízos em causa são gravemente prejudiciais para o interesse público. E o MECI não se fica por aí. Alega também que a adoção das providências requeridas (pelo Gil) provocam danos sociais e ameaçam a ordem pública.

Apetece-me dizer todos os palavrões do mundo, mas não o vou fazer. Não há palavras para descrever semelhante monstruosidade!

Não só o Gil não cometeu nenhuma irregularidade, como realizou os exames A-Level cumprindo todas as regras legais. E cumpre dizer o seguinte:

E cumpre ainda salientar que os exames de CAIE são realizados na mesma data e à mesma hora em todos os países localizados na mesma zona administrativa, existindo um total de seis zonas no mundo inteiro. Portugal faz parte da zona administrativa (time zone) 3, juntamente com todos os países da Europa Ocidental e de Africa. (cf. https://www.cambridgeinternational.org/exam-administration/cambridge-exams-officers-guide/phase-1-preparation/timetabling-exams/)

Os exames A-Level que o Gil realizou foram exatamente os mesmos, e foram realizados na mesma data e à mesma hora, que os exames realizados por milhares de alunos espalhados por todos esses países, em centros de exame autorizados pelo Universidade de Cambridge.

É portanto incompreensível que DGE/MECI não tenha emitido o certificado de equivalência de habilitações. É ainda incompreensível que o Gil possa candidatar-se a qualquer universidade do mundo, exceto as do seu próprio país! E é ainda incompreensível que dadas duas pessoas que tenham realizado exatamente os mesmos exames, e obtido ambas exatamente a mesma classificação, que num caso seja concedido o certificado de equivalência e noutro caso não.

Não só é incompreensível, como se trata de um ato discriminatório por parte da DGE/MECI, que para além de ser ilegal, constitui ainda uma violação grosseira do Artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Isto não é um Ministério da Educação, Ciência e Inovação!
Isto é um Ministério da Ignorância, do Atraso, e da Malvadez Superior!

Acabei. Convém, porém, não acabar ainda.

Deixem-me falar um pouco sobre o meu filho. O Gil é uma dádiva da Natureza. Nasceu yogin e nasceu artista. Tem a ingenuidade e a pureza do sol, da lua, e do mar. Foi sempre um miúdo adorável, responsável, trabalhador, inteligente, e repleto de qualidades nobres, sempre preocupado em ajudar os mais desfavorecidos.

Desde tenra idade que eu e a minha esposa detetámos que ele tinha algumas dificuldades de socialização e interação com crianças da idade dele. Em ambientes com muitas pessoas ficava sempre um bocado desorientado e desconfortável, preferindo estar mais isolado e entretendo-se sozinho a fazer desenhos (o Gil tem um traço extraordinário) e com as suas brincadeiras no seu mundo imaginário. Na escola pública do ensino básico, com turmas grandes, o Gil facilmente “desligava” e perdia o interesse.

Ao terminar o ensino básico, optámos por transferi-lo para a Escola Internacional de Aljezur. Não tivemos qualquer dúvida de que seria muito melhor para ele estar num ambiente mais familiar, em turmas com tamanho reduzido e com um acompanhamento mais próximo por parte dos professores, e foi precisamente isso que a Escola Internacional de Aljezur lhe proporcionou. Teve professores excelentes, dedicados, e foi exposto a um curriculum muito mais rico e abrangente do que alguma vez teria tido em qualquer escola secundária da rede pública.

Há uns anos atrás, um dos professores do Gil da Escola Internacional de Aljezur virou-se para mim e disse: Fernando, o Gil é extraordinário. Ele não é como tu e eu, ele está noutra dimensão! E de facto está. Depois de todas as atrocidades cometidas pelo MECI, só alguém verdadeiramente noutra dimensão é que poderia fazer “O Imbróglio” e ter o desempenho que ele teve no 1º ano da Licenciatura em Teatro. Eu, no lugar dele, teria ficado completamente desnorteado sem conseguir ter aproveitamento às disciplinas do curso, quaisquer que elas fossem.

Antes do decretamento da providência cautelar, apercebendo-me de que o Gil poderia ficar impedido de prosseguir estudos universitários em Portugal, comecei a procurar universidades no estrangeiro onde ele pudesse estudar, mas o Gil disse-me que ainda não se sentia preparado para ir para o estrangeiro viver sozinho. E de facto eu achei que enviá-lo para o estrangeiro, não sendo essa a sua vontade, seria uma crueldade.

O Gil é apaixonado pelo teatro e foi então que procurámos cursos profissionais de atores que não tivessem o requisito de se ter o 12º ano. Um dos cursos que nos pareceu atrativo foi o curso profissional de atores da Escola Act4All que só requeria o 9º ano. (Apesar de nem o 9º ano o Gil ter reconhecido pelo MECI, candidatou-se à mesma.)

Um dos elementos solicitados na candidatura à Act4All era uma carta manuscrita de um máximo de 2 páginas A4 onde deveria expor as suas motivações para frequentar o curso. Com o consentimento do Gil, partilho com os leitores a extraordinária carta de motivação que ele escreveu.

Sou professor universitário há mais de 25 anos e posso garantir uma coisa. O meu filho Gil escreve melhor e tem um discurso mais articulado que 99.9% de todos os alunos universitários que já me passaram pelas mãos!

A carta de motivação que ele escreveu deveria ser de leitura obrigatória para o senhor Ministro de Educação, Ciência e Inovação, para o senhor Diretor-Geral de Educação, para o senhor Diretor-Geral do Ensino Superior, para todos os sub-diretores e sub-diretoras gerais e todos os aspirantes a sub-diretores e sub-diretores gerais que reinam pelo MECI! E também pelo senhor Presidente do Instituto Politécnico de Leiria!

Leiam meus senhores e minhas senhoras, e aprendam qualquer coisa. Quem escreve uma carta destas não pode ter só o 4º ano de escolaridade! Quem escreve uma carta destas não pode ser barrado de ir para o ensino superior!

Para além da carta de motivação, a Escola Act4All também exigia uma entrevista e uma audição composta por uma prova de interpretação de um texto previamente fornecido. O Gil estudou o texto e lá se deslocou a Lisboa para a entrevista e audição. Passado uns dias recebo um telefonema do secretariado da Act4All perguntando-me se eu estaria disponível para uma reunião por zoom com a Diretora da escola. Uns dias depois tenho a reunião, e após os cumprimentos iniciais de circunstância, a Diretora da Act4All pergunta-me quais eram as minhas expectativas relativamente ao futuro do Gil. Fiquei um bocado sem jeito com a pergunta e pedi para ela elaborar um pouco mais. Foi então que ela me disse o seguinte: Já se deve ter apercebido que o seu filho é uma pessoa muito especial, e logo de seguida acrescentou que o Gil tinha feito uma audição espetacular. (Não me disse, mas imagino que deverá ter ficado fascinada com a carta de motivação que ele escreveu.) Prosseguiu e disse-me que o Gil tinha um potencial de tal ordem que seria um desperdício ele ir para a Act4All, uma vez que a escola apesar de oferecer um curso profissional, apenas poderia ocupar o Gil 2-3 dias por semana, e um jovem com o talento dele deveria estar imerso num ambiente que respirasse teatro todos os dias. Foi então que eu lhe contei o imbróglio em que o Gil estava metido, e que a única habilitação que ele tinha reconhecida pelo MECI era a antiga 4ª classe. Escusado será dizer que a Diretora da Act4All ficou completamente atónita.

Gostaria de perguntar o seguinte ao Senhor Ministro da Educação, Ciência e Inovação: O que é o meu filho Gil fez de errado para merecer este tratamento por parte do MECI? Pergunto também ao Senhor Ministro o seguinte: O que é que eu e a minha esposa fizemos de errado a respeito da educação do nosso filho?

Acabei pela segunda vez. Convém, porém, não acabar ainda.

Convém perguntar mais uma coisinha ao senhor Ministro. Se a Escola Internacional de Aljezur não está homologada, como é que é possível que o meu filho lá tenha andado tantos anos sem que eu (encarregado de educação) tenha sido alertado de tal facto?

A pergunta é pertinente porque o meu filho Gil foi transferido da Escola pública EBI/JI de Aljezur para a Escola Internacional de Aljezur quando tinha 10 anos, no início do ano letivo 2016/2017, e essa transição foi feita sem qualquer problema.

A Lei portuguesa exige que todos os jovens cumpram a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, e, de acordo com a Lei, compete a organismos tutelados pelo MECI o dever de fiscalizar o controlo do cumprimento do dever de matrícula, pelo que se a Escola Internacional de Aljezur não está homologada/certificada, e eu nunca fui notificado desse facto, tal falha só pode ser da total responsabilidade do MECI que não fiscalizou coisa alguma!

Acabei pela terceira vez. Convém, porém, não acabar ainda.

Caros leitores, sabem porque é que a Escola Internacional de Aljezur não está (alegadamente) homologada pelo MECI? Eu explico. Algures em 2022 a Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC), a mando sabe-se lá de quem e porquê, mandou instaurar um procedimento tendo em vista o encerramento compulsivo da Escola Internacional de Aljezur. Foram feitas diligências por parte de uma senhora inspetora da IGEC que conclui (pasme-se) o seguinte: O estabelecimento, Escola Internacional de Aljezur, tem vindo a funcionar desde 2014/2015 com conhecimento da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares - Delegação Regional de Educação do Algarve sem a devida autorização para o efeito.

Ou seja, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares - Delegação Regional de Educação do Algarve, tinha conhecimento que a Escola Internacional de Aljezur estava a funcionar sem a devida autorização desde 2014/2015! E não obstante ter esse conhecimento, nada fez para alertar os encarregados de educação (nomeadamente eu), permitindo que o meu filho Gil fosse transferido em 2016/2017 da Escola EBI/JI de Aljezur para um estabelecimento sem a devida autorização de funcionamento por parte do Ministério de Educação. Trata-se pois de uma falha gravíssima por parte de quem tinha o dever de fiscalizar o controlo do cumprimento do dever de matrícula, e não o fez.

Mas há mais. A senhora inspetora da IGEC conclui também que Esta situação tem-se vindo a arrastar desde 2014, não se antevendo uma satisfação dos aspetos em falta, num curto espaço de tempo, por forma a possibilitar a emissão de uma autorização provisória/definitiva de funcionamento.

E sabem quais são os aspetos em falta indicados no relatório final desse processo (IGEC NID 1/02015/DSJ/22)? Eu explico. Diz a senhora inspetora da IGEC que a Escola Internacional de Aljezur tem Duas salas de aulas com áreas de 19,70 e 22,40 que não apresentam pé-direito regulamentar pelo que não podem ser utilizadas para atividades letivas. E um pouco mais à frente acrescenta foi possível identificar que o pé-direito não reúne condições para o funcionamento de um estabelecimento de ensino, mínimo de 2,6m legalmente previsto, e, tal como é possível constatar pela memória descritiva e justificativa em algumas salas de aula, o pé-direito é apenas de 2,3m.

Estamos pois no mais completo mundo do absurdo e da estupidez! E perguntar-me-ão: mas afinal a Escola Internacional de Aljezur não está homologada porque faltam uns centímetros de pé-direito em algumas salas de aula? Não, caros leitores! Não é só o pé-direito. Também está em falta o Parecer prévio sobre as medidas de autoproteção contra incêndios. E também está em falta o Livro de manutenção dos equipamentos desportivos. E também falta o raio que os partam!

Esta história absurda não cheira mal. Cheira muito muito muito mal!

Se o MECI tem algum problema com a Escola Internacional de Aljezur, não pode usar o meu filho Gil (nem nenhum outro jovem) nessa guerra. A concessão do certificado de equivalência ao meu filho Gil tem de ser baseado única e exclusivamente pelas suas habilitações académicas, e não por algumas salas da escola onde estudou não terem altura de pé-direito regulamentar!

Tenho vontade de dizer todos os palavrões do mundo, mas não o vou fazer porque o meu filho Gil ensinou-me que devemos ser gentis com toda a gente. E para verem que o Gil está mesmo noutra dimensão, façam agora uma pausa na leitura e vejam este excerto da rubrica Movimento Gentil do programa Zig-Zag que passou da RTP-2 do dia 08-Out-2018. Vejam o vídeo até ao fim. Aparece lá um miúdo de 11 anos a falar sobre a gentileza: https://media.rtp.pt/zigzag/videos/depoimentos-da-aljezur-international-school-parte-2/

(Um aparte. Pelos vistos a RTP também anda a fazer reportagens em escolas que não estão homologadas pelo Ministério de Educação!)

É este miúdo, que fala assim sobre a gentileza, que fez “O Imbróglio”, que escreve a carta de motivação que escreveu e que tem o sonho de seguir as pisadas de Zeca Afonso e de Sérgio Godinho, e que teve média superior a 17 valores às disciplinas do 1º ano da Licenciatura em Teatro, que está, segundo as alegações do MECI, a prejudicar o interesse público e a pôr em causa a ordem social!

No momento em que escrevo estas palavras, o Gil está não só impedido de prosseguir os seus estudos na ESAD/IPL, como está impedido de prosseguir estudos em qualquer outra instituição de ensino superior em Portugal. Está a ser literalmente escorraçado do país que o viu crescer.

Já nem falo só do meu filho Gil. É verdadeiramente ASSUSTADOR pensar que é esta gente que define a política e o rumo educativo do país.

Apetece-me mesmo dizer todos os palavões do mundo, mas tenho de me conter. Só consigo pensar em Álvaro de Campos.

Fora! Fora! Fora!
E se houver outros que faltem, procurem-nos aí para um canto!
Tirem isso tudo da minha frente!
Lixo, cisco, choldra provinciana, safardanagem intelectual!
Agora a política é a degeneração gordurosa da organização da incompetência!
Jogo do empurra do lado de cá e jogo de porta do lado de lá!
Sufoco de ter só isto à minha volta!
Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas!
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!
Época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações de lacaios a reis-lacaios!
Tudo daqui para fora! Tudo daqui para fora!
Ultimatum a eles todos, e a todos os outros que sejam como eles todos! Se não querem sair, fiquem e lavem-se!
Homens-altos, passai por baixo do meu Desprezo!
Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo!
Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!
Passai, decigramas da Ambição, grandes só numa época que conta a grandeza por centimiligramas!
Passai, «finas sensibilidades» pela falta de espinha dorsal;
Inútil luxo, passai!
Vós que confundis o humano com o popular!
Vós que confundis tudo, que, quando não pensais nada, dizeis sempre outra coisa!
Chocalhos, incompletos, maravalhas, passai!
Passai, absolutamente, passai!

Acabei pela quarta vez. Convém, porém, não acabar ainda.

O Governo acabou de anunciar no último dia de julho uma Reforma que representa um virar de página na organização do MECI. O Ministro Fernando Alexandre afirmou que o objetivo da reforma orgânica do Ministério é garantir a igualdade de oportunidades no acesso a uma Educação de qualidade em todo o território nacional, bem como gerar e transformar talento e conhecimento em valor social e económico.

O Ministro acrescentou ainda que a atual estrutura não está ajustada aos novos tempos e desafios. Tem 18 entidades com 45 dirigentes superiores, mais de 2 mil trabalhadores nos serviços centrais (dos quais 500 professores), mais de 300 aplicações informáticas e mais de 280 processos. Verifica-se uma grande fragmentação organizacional, governação desarticulada, sistemas de informação desintegrados e grande complexidade processual, resumiu o Ministro. Está tudo no site do governo em https://www.portugal.gov.pt/pt/gc25/comunicacao/noticia?i=reforma-que-representa-um-virar-de-pagina-na-organizacao-do-meci

Pois é, caro Ministro Fernando Alexandre, o senhor bem reconhece que o seu Ministério é uma bandalheira. De facto, os sistemas de informação do MECI devem ser mesmo muito desintegrados, pois só assim se explica que em pleno ano de 2024 a Escola Internacional de Aljezur continuava a receber emails do seu Ministério com vista à preparação do novo ano letivo!

Senhor Ministro, isto não vai lá com extinções e criações de novas entidades dentro do seu Ministério. Álvaro de Campos não me sai do pensamento.

Ponham-me um pano por cima de tudo isso!
Fechem-me isso à chave e deitem a chave fora!
O que aí está não pode durar, porque não é nada!
O que aí está a apodrecer a Vida, quando muito é estrume para o Futuro!

Agora é que vou acabar de vez.

Não consigo deixar de pensar no meu filho Gil.

OOOM xánti xánti xántihi...



Imbróglio contra-capa







Carta de motivação do Gil à Act4All, página 1



Carta de motivação do Gil à Act4All, página 2